“Violência digital também adoece a mente”, alerta psicóloga

Especialista explica impactos psicológicos e dá orientações práticas para famílias enfrentarem os riscos do mundo virtual.
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Quebrando o Silêncio 2025, projeto anual da Igreja Adventista do Sétimo Dia, tem como tema a violência no ambiente digital. A iniciativa busca conscientizar sobre os riscos e consequências dos crimes cometidos nesse espaço, como cyberbullying, pornografia de vingança e aliciamento de menores. O tema ganha ainda mais relevância diante de pesquisas recentes.

Segundo a empresa de cibersegurança Kaspersky, 52% dos latino-americanos já sofreram algum tipo de violência digital. Além disso, o Childlight Global Child Safety Institute, da Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, aponta que 1 em cada 8 crianças no mundo foi vítima de violência sexual online entre 2022 e 2023, o que equivale a 302 milhões de jovens.

Nesta entrevista, a psicóloga Glaucyã Cândido Rodrigues ajuda a compreender mais sobre esses riscos e focar em soluções. Formada em Psicologia, possui diversas especializações em áreas como Infantojuvenil e Neuropsicologia e atualmente atua em seu próprio consultório.

Glaucyã apoia o projeto Quebrando o Silêncio com pregações em igrejas e ações de conscientização sobre a violência digital (Foto: Arquivo pessoal)

O termo “violência digital” ainda é pouco compreendido por muitas pessoas. Como você define essa forma de violência e quais são os exemplos mais comuns que chegam até seu consultório?

Esse termo é realmente mais recente. Apesar de as pessoas estarem constantemente conectadas, muitas ainda não acreditam que possa acontecer com elas. O perigo está justamente aí. O que mais aparece no meu consultório é a “baixa da guarda”, ou seja, a ideia de que a internet é um lugar sem consequências. Mas certas exposições deixam o paciente vulnerável, e a violência digital também pode adoecer a mente, manifestando-se em ansiedade, melancolia, depressão e outros sintomas.

O cyberbullying, a pornografia de vingança e o stalking digital são alguns dos crimes citados na campanha Quebrando o Silêncio deste ano. Quais são os efeitos emocionais e mentais mais frequentes nas vítimas, especialmente em crianças e adolescentes?

Os impactos mais comuns são ansiedade e medo constante (principalmente pelo risco de novas exposições), vergonha e humilhação que levam ao retraimento social, baixa autoestima, depressão e até ideação suicida nos casos mais graves. Em crianças e adolescentes, observamos ainda queda no desempenho escolar, distúrbios do sono, regressões comportamentais e maior irritabilidade.

Pesquisas mostram que o uso excessivo de telas pode alterar a estrutura cerebral e impactar memória, comportamento e saúde mental. Quais sinais de alerta indicam que o mundo virtual já está afetando negativamente a vida de alguém?

Os principais sinais são o isolamento social, preferência pelo virtual em detrimento das relações presenciais, alterações de humor e irritação ao se desconectar, queda brusca no desempenho escolar ou profissional, dificuldades de concentração e memória, alterações no sono e no apetite, além da negligência de cuidados básicos como higiene e responsabilidades.

Muitos crimes virtuais não deixam marcas visíveis, e as vítimas, por vergonha ou medo, permanecem em silêncio. Como familiares, amigos e líderes comunitários podem identificar que alguém está sofrendo violência digital?

O comportamento é o primeiro indicador. Pessoas que sofrem violência mudam seu jeito de ser e, às vezes, até regridem em comportamentos. Outro ponto é observar o que elas publicam. Muitas vezes, a dor aparece nas postagens. Medo ou recusa em usar o celular e se conectar também podem ser sinais de alerta.

Em sua experiência, quais são os principais fatores que levam uma pessoa a se tornar alvo de violência digital, e como reduzir esses riscos?

O excesso de exposição é um dos principais fatores. Postar em tempo real onde está, compartilhar dados pessoais, histórias íntimas e informações familiares ou profissionais facilita a ação de pessoas mal-intencionadas. Para reduzir riscos, é preciso entender que nem tudo precisa ser compartilhado. O uso responsável da internet começa com limitar a exposição.

A campanha deste ano enfatiza o papel das famílias. Quais práticas simples e constantes podem ajudar a proteger crianças e adolescentes no ambiente virtual, sem criar uma relação de vigilância sufocante?

O diálogo sempre será uma base segura. Conversar sobre perigos e benefícios, estabelecer acordos sobre o tempo de uso e, principalmente, dar o exemplo. Não adianta pedir que os filhos usem menos telas se os pais não dão esse exemplo. Conhecer bem os filhos e confiar neles faz parte dessa relação de proteção sem sufocar.

O silêncio diante da violência digital pode agravar traumas e até levar a quadros mais graves, como depressão e pensamentos suicidas. Quais caminhos de acolhimento e tratamento você recomenda para vítimas desses crimes?

Não tenha vergonha de procurar ajuda. Converse com alguém próximo que possa acolher sem julgamentos ou busque profissionais, como psicólogos e psiquiatras. Em situações que exigem suporte jurídico, advogados especializados também são importantes. O fundamental é não enfrentar isso sozinho.

O Quebrando o Silêncio também fala sobre o uso consciente das redes. Como equilibrar liberdade, privacidade e segurança no mundo virtual, tanto para jovens quanto para adultos?

É preciso usar as redes com sabedoria. Avalie cada aplicativo que possui e pergunte-se: “Qual é o objetivo de ter isso?” Se não houver propósito real, talvez não seja necessário. Outra dica é revisar sua rotina. Em que momentos é adequado usar as redes sem prejudicar a vida real? A Bíblia nos lembra, em Eclesiastes 3, que há tempo para tudo, inclusive para o uso do virtual.

Para as comunidades de fé, como a Igreja Adventista, a internet também é um espaço de evangelismo. Como usar as redes sociais para edificar, sem cair em armadilhas emocionais ou de exposição excessiva?

Pregue com amor. As redes devem ser um espaço para compartilhar a mensagem de Cristo, e não para debates acalorados ou críticas. Antes de postar, faça a pergunta: “O que Jesus escreveria?”. Se não estiver alinhado com o que Ele diria, então não deve ser publicado.

Que mensagem você deixa para quem está lendo esta entrevista e talvez já tenha sido vítima de violência digital, mas ainda não procurou ajuda?

Sinto muito por essa situação, mas corra atrás de toda ajuda possível. Você é uma pessoa de valor, com direitos e sentimentos. Sua vida e sua identidade importam! Essa tempestade vai passar. Use este momento para refletir sobre mudanças que podem trazer crescimento e evolução pessoal – não com autocrítica, mas com esperança e amor por si mesmo.

O projeto

O Quebrando o Silêncio é um projeto anual da Igreja Adventista do Sétimo Dia que, há mais de 20 anos, promove conscientização e mobilização social contra diferentes formas de violência. A cada edição, um tema específico é abordado em escolas, igrejas e comunidades, culminando no chamado “Dia D”, sempre no quarto sábado de agosto. Neste ano, a campanha destaca os perigos da violência no ambiente digital, incentivando diálogo, prevenção e denúncia como formas de proteção e cuidado com todas as gerações.

Denuncie!

Se você ou alguém próximo está sofrendo esse tipo de violência, procure ajuda. No Brasil, denúncias podem ser feitas de forma gratuita e anônima pelo Disque 100 (Direitos Humanos), Disque 180 (Central de Atendimento à Mulher) e pelas delegacias especializadas de crimes cibernéticos em cada estado. Em situações de risco imediato, acione o 190 (Polícia Militar).